quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Delicadeza e Gentileza pra 2009.


Delicadeza
Por não ser a delicadeza algo inerente ao homem, precisamos tanto dela. É mais fácil encontrar alguma delicadeza espontânea entre os animais. A indelicadeza é própria do humano.
O homem criou e expandiu um sem número de artefatos de morte; o homem valoriza e aperfeiçoa infinitos recursos para exibir sua suposta superioridade sobre os semelhantes, ferindo continuamente o frágil equilíbrio entre as representações do eu e do outro.
Só o homem é capaz de ferir o silêncio, aniquilar a escuridão, desacreditar do mistério, acelerar o tempo. Acima de tudo, somos indelicados com o tempo: desde o início da era industrial, o homem vem esgarçando esse frágil e precioso tecido da existência. Por isso a delicadeza é uma conquista, um valor ético, um parâmetro estético.
(Maria Rita Kehl)
(e a Gentileza é do Gentileza)
Um beijo. E um 2009 SUPIMPA.
"todos os encontros/ todos os poemas/ manda me avisar
todos os embates/ todos os dilemas/ manda me avisar"
(marcelo camelo)

domingo, 28 de dezembro de 2008

Viviane Mosé de manhã

Tudo o que vejo
(Viviane Mosé)
Era tarde nas janelas da sala,
Um gosto de tarde que eu queria lamber.
Tenho vontade de lamber as coisas que gosto,
Mesmo as que não gosto costumo lamber sem querer.
Às vezes com a língua mesmo.
Molhada e escorrida.
Outras vezes uso a língua da palavra,
Quando tem cheiros ruins
Ou asperezas estranhas ao paladar de minha pessoa,
Ou por nada mesmo por gosto
Passo a língua nas coisas que vejo
E passo as coisas que vejo pra língua.

sábado, 27 de dezembro de 2008



E se, de repente, você viesse.
E se, de repente, o telefone tocasse.
E se, de repente, o jogo acabasse.
E se, de repente, tivesse coragem.
E se, de repente, a mensagem chegasse.
E se, de repente, a ansiedade passasse.
E se, de repente, a imaginação não bastasse.
E se, de repente, de repente, de repente, o encontro.
Sem meias palavras, sem subtexto, sem insinuações que se perdem em uma atmosfera que mistura tesão, dúvidas, amizade, confidência.
Se, de repente, assumíssemos a franqueza rara dos amantes que não têm tempo a perder.
Se, de repente, percebêssemos que o tempo se esgarça, que a trama pode ter dias mais felizes, que tudo é passageiro, assombro, possível.
Se ficasse nítido que o amor é partilhamento, em um delicado processo de acionar o que há de virtude e sublime no outro, que não é cobrança, que não é lamuria, desejo de completude, satisfação total.
E se, de repente, fossemos maduros.
E se, de repente, a opinião pública não tivesse o peso que atribuímos.
E se, de repente, as famílias fossem cúmplices.
E se, de repente, amor e trabalho não fossem incompatíveis.
E se, de repente, em uma noite, de repente, em uma tarde, de repente, em uma manhã, de repente, em uma outra cidade, o mar como testemunha, de repente, talvez, de repente.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Passou Batido - parte 1



A partir do dia 05 de janeiro, primeira segunda-feira de 2009, o Cine Humberto Mauro abre as portas com a já tradicional Mostra Passou Batido.


Para esta primeira fase, que vai até o dia 18/01, foram selecionadas cinco produções, levando-se em conta o tempo que permaneceram em cartaz (entre uma e três semanas), assim como sua qualidade e relevância cinematográficas.

Neste período, serão apresentados filmes recentes de dois consagrados diretores do cinema nacional: Cleópatra, de Júlio Bressane e Falsa Loura, de Carlos Reinchenbach.


Enquanto Bressane se arrisca ao retratar a legendária rainha egípcia, Reinchenbach nos apresenta o universo de uma operária vaidosa.


Além dos títulos nacionais, serão exibidos: Algo como a Felicidade, longa que aborda a realidade da República Tcheca pós-comunismo, Persépolis, animação inspirada nos quadrinhos autobiográficos da iraniana Marjane Satrapi (nomeado ao Oscar 2008) e Paranoid Park, filme vencedor do Prêmio Especial do 60º Aniversário do Festival de Cannes.

De pernas bambas, freqüentemente.

Tombos, tropeços, buracos, ralado.

A rua já virou estrada. E meus passos adquirem uma languosidade incômoda.

Errante sempre. Freqüentemente torto.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008


Líquida e certa, ela aparecerá: na volta do parafuso, na próxima esquina, no ruído ao lado, na surpresa das frestas de uma porta que nada prometia com seu sisudo silêncio.
Intempestivamente, ela se faz carne, mas de uma carnalidade lânguida, líquida, presença que se esvai sem ter vindo, que fixa o efêmero na retina, que transmuta o sonho no real.
Dança e brinda o retorno: breve, esfumaçante, escorregadio, contaminante.
Ela vai ficar, é o que sempre quis. Ela ou eu? Importa?
No descompasso de sentimentos, a expectativa, esse Mal de Parkinson, estremece composições e harmonias.
Nossos ruídos, assimetrias desmedidas, costumeira estridência, chegam a incomodar, a doer.
O que fazer? Susto!
Dessa aventura não se sai ileso.
Medo...
Não mais o canto da sereia. Cadê o Ulisses destemido em mim? Onde está aquela coragem que revestia armaduras? Bolha de sabão.
Resta apenas a fragrância do marinheiro.

É tempo de recolhimento, respeitoso às destemperanças dos ciclos.
O cuidado se dá no alargar dos espaços de cultivo e na fé dos giros da roda da fortuna.

“Se eu fosse uma fazenda, não teria cercas”.

para 2009: um abraço, um nós

DESATAR
(ADRIANA MONTEIRO DE BARROS)
Para Gean Queiroz

Não gosto da palavra nó.
Nó é algo que aperta,
que prende linhas,
que não se abre,
que, atado, amarra, ao invés de esparramar.
Lembro que aprendi a dor nó de marinheiro.
Hoje me ocupo em desatá-los.
Desfaço, desato
e desabo em nós.
Mas nó também lembra 'nós',
lembra 'junto'.
Preciso de nós,
como preciso de barco sem rumo,
de leme à deriva,
de árvores ao vento,
de raiz,
de chão.
Eu ainda desato nó,
mas já é um rumo.
Os outros, o mar levou.

( Em cada braço de mar, há um pedaço de nós. Em cada enseada, um abraço.)

para ela (...) em algum lugar.

Cedo

para Lucia Murat e seu “Que bom te ver viva”


Ela acorda cedo, bem cedo.

Antes de tudo, antes do mundo.

Cedo, a espera da luz.

Do ânimo: promessa.


Joga a memória em lances de dados,

E esconde peças,
Evita movimentos: o Obscuro da dor.


Bolor, páginas amarelas, enquadradas no tempo
Marcam seu vestido


Sua pele, em revestimento que bloqueia acessos e vibrações, sonha o sol.
Cicatriz.


Ela acorda cedo e teme a fresta da janela, estranha os ruídos da rua, o dia que nasce.

Copo d’água e cigarro refratam o brinde.
“Um pouco de possível, senão eu sufoco”


O que te sufoca?

O que eu não agüento?

O que o corpo deve suportar?

Que possível é esse, por vezes tão distante?


Desejar o impossível? Não sei. Talvez apenas se o possível fosse amplo, corrente, estrada. Que exige coragem, sim, mas ainda assim é caminho, trilha, que se faz no percurso. Possibilidade.


“Um pouco de possível, senão eu sufoco”, diz sempre o poeta.

Para além da necessidade.
Para além da vida nua.
Para além do alem-desprezo.


Um pouco de possível, senão eu sufoco.

Um apelo? não.
Um desejo? não somente.
Uma potência do não? Quem sabe.


Que possível é esse?

Talvez o que não nos solapa.
O que não nos assujeita.
O que não nos reduz ao grito suplicante.
O que não nos enquadra numa identidade fixa.


Um pouco de possível

Um possível pra ação.
Um possível que pode dizer não.
Que pode dizer sim.
Que encontra aquilo que alimenta.
Que encara o trágico com coragem, sem reduzir o humano.
Onde a invenção encontra passagem, devir mundo ...


Um possível que não deixa sufocar, apesar do ar que por muitas vezes insiste em faltar.
Trabalhos de amor perdido

Já dizia o poeta que é necessário trabalho pra dá conta de um amor perdido.

Amor que não se alcançou, que esteve por um triz, ou que foi cordilheira de um lado apenas, grande obra sem fluição.


O trabalho para esses momentos não é tarefa fácil, já que necessita seguir pormenores na sua execução:

- cavar encantamentos sem desesperos ou forçosa instrumentalização (bom começar pelas manhãs),

- buscar encontros com ex e novos amigos (durante todo o período),

- olhar pros lados e quem sabe sorrir (postura correta de trabalho),

- o uniforme segue os tons da esperança e de uma alegria que virá, por certo,

- na atual conjuntura sistêmica, cabe considerar a necessidade de flexibilizar posturas, conversas e avaliações,

- a vontade de amar de novo é a força motriz de qualquer trabalho que ambicione ser bem-sucedido,

- você é quem importa, no jugo das competências,

- elimine comparações e concorrências do jogo,

- o único jogo possível é o da sedução,

- jamais recorra ao desgastado papel de vítima,


... essas são apenas algumas indicações.

Para cada pessoa, um método.

Encontre o seu, e não abra mão das construções.

Dessa forma podemos até voltar a dizer, sem receio, que “o trabalho dignifica o homem”.