segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

homenagem ao era_o_ dito

1-Otto (Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos)
2-Terapia nas curvas da estrada
3-Casa nova em casca nova
4-Estranho encontro com o filme A Partida
5-A escrita conjunta de "Pequenas histórias de trocas de pernas, peles e olhos nos seus arroubos e arredores"
6-Tiê
7-Ilha Grande molhada em Outubro
8-Carnaval carioca e lembranças de um encontro
7-Descoberta do Mundo (clarice lispector) durante o ano todo
8-O corpo, o corpo
9-Ouro Preto com dor
10-Trabalho, trabalho, trabalho
11-Céu (Vagarosa) (...) na bubuia (...)
12-Mosé
13-Tiradentes: Se Nada Mais Der Certo, A festa da Menina Morta
14-Corrida
15-In on It
16-Dramaturgia
17-Rompimentos
18-Till, Comédia do Trabalho
19-Tecnomacumba
20-Conversa com a Renata, o Robson e os meninos do Teatro
21-Filosofia em comum
22-"Dançar meu mundo"
23-"Tempo Quente"
24-Nietzsche
24-Jan
25-O surfe do jovem senhor
26-Cadê o Waly?
27-Listas
28-Ecos de um "como viver juntos?"
29-Sozinho
30-Saudade num outro lugar
31-Inveja dos Anjos
32-Banalogias (francisco bosco)
33-"(...) do que eu consigo dizer"
34-O tempo e o cão (maria rita kehl)
35-Tempo, tempo, tempo
36-O herói, o marginal (malu magalhães)
37-Sobrenatural (ludov)
38-Vinho
39-Dança
40-"belezas são coisas acesas por dentro"

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

sobre um simulacro de caos

o que há de realmente interessante na discussão entre os oficiais e os não-oficiais.

vazio.

êta vida besta esta dos que forçam a dança e querem exibir movimentos pra platéia aplaudir.

a performance pela perfomance-espetáculo, mesmo revestida de "as coisas mais belas do cotidiano" e "poesia das coisas", revela sua farsa facilmente.

somos mais complexo e amplos que isso.

mas insistimos no "em falso":
temos discursos demais, temos movimentos demais, temos manifestos demais.

que saco.

vamos viver gente! e vamos ter coragem de enfrentar o mundo com o que também dói!
sim(...)
por uma não simbiose!
por um não movimento de intrigas!
por um perder tempo com qualidade!
(e essas não são palavras de ordem)

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

...

eus é infiel

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

...

não olho mais pelas frestas!

fragmentos


- “Nem parece que foi ontem”. Nem parece que fui lá. E tinha a viagem, tinha a oportunidade de estudo. Era o projeto. Tentei adequar a situação, ir também. E a organização e o planejamento ocuparam aquele mistério de antes, que já havia sido ocupado pela farra, pelo desbunde, pela gritaria pra dizer. Era pra ser, diziam. Tudo certo, diziam. Que engajamento, que vinculo, também diziam. (...) Nem sei direito onde foi que (...) nem como consigo hoje (...) aquele ali (Aponta para o esboço). Aquilo ali foi uma façanha.
(...)

domingo, 20 de dezembro de 2009

Transporte Público?

Entendo o transporte público num sentido, mesmo sob pena de ser aqui redundante, republicano. Sim, um serviço do Estado para a população que nele confia (?) e paga.
Poderia dar prosseguimento a esse pequeno texto argumentando com a lógica meramente do consumidor que reclama dos serviços. Mas não é isso que me interessa. O desrespeito que aqui me interessa mencionar excede ou não encontra lugar na instância meramente mediada pelo capital. Falo de algo que ultrapassa o que me é de direito por pagar, o que me é de direito por consumir, o que eu nem sei se tenho direito por não perceber que pago. Falo de vida digna.
E eu, professor da prefeitura dessa cidade, e usuário da linha Suplementar 63 (Venda Nova), reclamo aqui da falta de cuidado com a vida dos que utilizam esse “serviço”. Pois freqüentemente me deparo com situações humilhantes de ônibus superlotados; da falta de um mínimo de conforto; de senhores e senhoras correndo o risco de se machucarem na pressa de subir ou descer dos veículos, já que há sempre uma urgência em seguir; de motoristas nervosos, afirmando freqüentemente que estão atrasados; da correria dos ônibus, em situações que algumas pessoas chegam a perguntar, em gritos de indignação, se o que o motorista conduz é um ônibus ou um carro de boi (ou qualquer outro animal).
Em uma estratégia de controle extrema, revestida de organização (ou gestão) dos transportes, onde fica a vida de passageiros e motoristas? Vida aqui no sentido de qualidade, de valor subjetivo, de negação as violências que marcam corpos já tão marcados.
Não, não somos bois, não somos vacas, nem camelos, não deveríamos carregar corcundas de humilhação, nem ruminar em pé, em ônibus apertados (que não conseguimos sequer caminhar dentro), a resignação de que nada podemos fazer, que as coisas são mesmo assim e que o que nos oferecem deve servir ao nosso contento.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

à flor da pele - chico b.

O que será que me dá
Que me bole por dentro, será que me dá
Que brota à flor da pele, será que me dá
E que me sobe às faces e me faz corar
E que me salta aos olhos a me atraiçoar
E que me aperta o peito e me faz confessar
O que não tem mais jeito de dissimular
E que nem é direito ninguém recusar
E que me faz mendigo, me faz suplicar
O que não tem medida, nem nunca terá
O que não tem remédio, nem nunca terá
O que não tem receita
O que será que será
Que dá dentro da gente e que não devia
Que desacata a gente, que é revelia
Que é feito uma aguardente que não sacia
Que é feito estar doente de uma folia
Que nem dez mandamentos vão conciliar
Nem todos os ungüentos vão aliviar
Nem todos os quebrantos, toda alquimia
Que nem todos os santos, será que será
O que não tem descanso, nem nunca terá
O que não tem cansaço, nem nunca terá
O que não tem limite
O que será que me dá
Que me queima por dentro, será que me dá
Que me perturba o sono, será que me dá
Que todos os tremores me vêm agitar
Que todos os ardores me vêm atiçar
Que todos os suores me vêm encharcar
Que todos os meus nervos estão a rogar
Que todos os meus órgãos estão a clamar
E uma aflição medonha me faz implorar
O que não tem vergonha, nem nunca terá
O que não tem governo, nem nunca terá
O que não tem juízo

ombros

o que suportar?
que mundo?
pra que?
em nome? em nome?
não.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

o que vi com gosto bom - teatro

In on it

Zoológico de Vidro

Inveja dos anjos

Congresso Internacional do Medo

Comédia do Trabalho

Till, a saga de um herói torto

Mary Stuart

Alma Boa de Setsuan

digo!

e ele disse, finalmente, que não aguenta mais.

sábado, 25 de julho de 2009

fragmentos de "Ella nos arroubos e arredores"

de Anderson Feliciano e Mário Rosa
(...)
Campanhia toca. Entra Rosa.
Ella: Oi. Você?
Rosa: Você tem um cigarro?
Ella: Cigarro?
Rosa: É. Cigarro.
Ella: Não. Eu parei de fumar.
(silêncio)
Rosa: Tá frio né?
Ella: Frio?
Rosa: É. Frio.
Ella: Um pouco.
Rosa: Estou te incomodando?
Ella: Incomodando? Não. Gosto disso.
Rosa: Disso o que?
Ella: De (...) deixa pra lá, é que me lembrei do Pluft. Você conhece?
Rosa: Não. O que é?
Ella: Um livro que li quando era bem criança.
Rosa: Não gosto de ler. Prefiro ver novelas. Mas leio revistas, viu. Não sou uma ignorante.
Ella (Desatenta ao comentário de Rosa): Pluft, em determinado momento, pergunta pra sua mãe se gente existe.
Risos.
Rosa: Como assim?
Ella: É que ele é um fantasma. Um fantasma que tem medo de gente. (Silêncio)
Rosa: Você está bem?
Ella: Eu tenho medo de gente. (Silêncio) Melhor mudar de conversa porque você não me entende.
Rosa: Entender o que?
Ella: Vamos mudar de assunto.
Rosa: Falar então de quê?
Ella: Por exemplo, de você.
Rosa: Eu.
Ella: Por que esse espanto? Você não é gente? Gente fala de gente. (Coloca uma música no som)
Rosa: Bobagem!!!
Ella: Essa música é muito bonita, você não acha? (Começa a dançar)
Rosa: Acho. É um pouco triste. Gosto de coisas trist (...)
Ella: É estranho quando a gente dança e não sente a música. Fica tudo meio sem sentido.
Rosa: Eu gosto de coisa triste.
Ella: A gente dança, dança, tenta. Eu não consigo.
Rosa: (Aparentemente triste) Eu acho que eu já vou.
Ella: Espera. Fica mais um pouco. Quer tentar?
Rosa: Eu? O que?
Ella: Dançar.
Rosa: Está tarde.
Ella: Nunca é tarde (...) Cada instante é único. (Puxa Rosa pela mão e começam a dançar). Você tem medo de que?
Rosa: Medo? Eu não tenho medo de nada. Só de uma coisa.
Ella: De que?
Rosa: Ficar louca.
Ella: Como?
Rosa: Deixa pra lá. (Encerra a dança)
Ella: Por que? O que houve com você? (Sem graça) Você quer comer alguma coisa?
Rosa: Não quero incomodar.
Ella: Não incomoda. Ah, tenho algo que você vai gostar.
Ella levanta e sai de cena, volta com uma vasilha cheia de bolinhos.
Ella: Sonhos! A única coisa que tenho aqui em casa para te oferecer são sonhos. Você quer?
Rosa: Não gosto muito de sonhos (...) acho eles sem graça, sem gosto. O que dá um certo gosto é o recheio. Os seus são recheados com que?
Ella: os meus estão sem recheios. Acho eles puros mais gostosos.
Rosa: questão de paladar.
(...)

segunda-feira, 20 de julho de 2009

TEATRO

o teatro tá vivo. o teatro acontece. o teatro se realiza no pensamento, na criação e no que vai além da memória, pois outras criações, outros pensamentos proliferam.

esse mês duas boas impressões:

- Comédia do Trabalho (Companhia do Latão)



- Till, a saga de um herói torto (Grupo Galpão)


(em invertidos olhares):
da retomada do teatro de rua que se envereda pela "cultura popular medieval" para o teatro épico (ou dialéctico) que retoma o potencial crítico ao desvendar "artimanhas" num exercício de ampla criação e comunicação.

quero mais (...)

quarta-feira, 10 de junho de 2009

...

Tatuagem encobre mistérios? Ou melhor, suscita mistérios? O que de fato revela? Se realmente revela. Não seria somente nossa ilimitada imaginação alargando ruas?Novamente ele atrás das persianas. O olhar fecunda vidas alheias, transfigura - em um campo íntimo - modos, entradas e chegadas, afetos, conflitos, transgressões (...). E ali ele permanece: aberto à indefinidas fabulações, casualmente em confronto ao que supõe ser o bloco do real (em sua concreta banalidade).

alunos

Um movimento repentino pra dentro
(recolhimento).

Um estranho desalojamento no contato com vidas que oscilam.
Será que eles resistem?
Até quando?
Para onde eles vão?
O que os precarizam?
O que os potencializam?
Que cartografia é possível desenhar além dos limites traçado a ferro e fogo?
Meninos e meninas que me despertam uma tristeza e uma doce, sim, uma doce ternura.

Mas ainda é possível dançar (...)
E isso eles fazem acariciando o trágico ainda não percebido

nas suas ingenuidades,
nos seus atabalhoados flertes,
na linguagem que engasga
e na esperança manca.

Os meus, o meu, o eu: comunga, lamenta, revolve, chora o mundo onde o que mais se vê ainda é a redundante performance vazia.

Nos molhe, vida!


segunda-feira, 8 de junho de 2009

maré




Para Waly, Calcanhotto, Maravilha e todos que ouviram Maré.


Lembra o mar

E trás ondas nos lábios

Um azul demarca contornos

Acentua traços
Configuração


Canto e gesto executam partituras

E o ressoar se abre para toda delicadeza
Orquestração


Sons e movimentos

Que pedem passagem
Música


O líquido é pretexto
E essência que deságua

Em fértil poema
Palavras. (pra que?)



Que de uso em uso
De quebra em
quebra



Com o
Saber

perder nas


mãos

Encontra a medida. O trecho antítese do excesso. A imagem que sugere e se refaz. Para além da verbo RRa gia.




Mas o poema não acaba.

Desdobra-se no contínuo das tentativas, das (re)colocações, das (re)adequações.



Em (ré – maior) as palavras insistem em desenhar cartografias.
Melodicamente (...)

Fluxo, fluido, fruído.




Abalos tímidos, quase imperceptíveis ... aos ouvidos.



Ampla a paisagem de muitos retratos.
Caleidoscópio a enquadrar fugidias imagens.

sábado, 9 de maio de 2009

Boal



havia discordânica quanto aos métodos?
à ideologização?
à perda da dimensão estética?
perguntas.
mas algo se torna hoje evidente: ele foi, "no seu jogo para atores e não atores", também indiscutivelmente fundamental.

''Todo mundo é melhor do que pensa que é''

Cerca de um mês antes de sua morte, o diretor Augusto Boal concedeu esta entrevista em Paris
Taíssa Stivanin, PARIS

No dia 25 de março, o dramaturgo, diretor e ensaísta Augusto Boal recebeu na sede da Unesco, em Paris, o título de Embaixador Mundial do Teatro. Poucas horas antes, no hall de um hotel na praça da República, na capital francesa, o criador do Teatro do Oprimido concedeu uma de suas últimas entrevistas. Boal, que morreu dia 2, no Rio, aos 78 anos, tinha chegado a Paris um dia antes de nossa conversa. Fui buscá-lo no quarto. Mancando, ele contou que tinha ordens médicas para não deixar o hospital, mas disse que não perderia a oportunidade de receber o prêmio por nada. Se o dramaturgo estava fisicamente tão debilitado, isso só ele sabia. Seu espírito e sua energia continuavam intactos. Bem-humorado, falante, gesticulando muito, e sem pedir nem um copo de água, o dramaturgo conversou sem se cansar. Desse papo, ficou a mensagem que resume sua vida: "Todo mundo pode fazer melhor do que acha que está fazendo." Seu teatro é a descoberta dessa capacidade.

O SR. ACOMPANHA O TRABALHO DO TEATRO DO OPRIMIDO EM PARIS?

Em Paris acompanho pouco. Meu filho, Julian Boal, integra um grupo que se chama Grupo do Teatro do Oprimido. Existem vários lugares na França que fazem o teatro do oprimido. O movimento Planning Familial (Planejamento Familiar) o utiliza há muitas décadas em seu trabalho. As escolas e as ONGs também. Acompanho como posso. No site internacional do Teatro do Oprimido, existem mais de 50 países nomeados e 200 grupos. Mesmo no Brasil, ele está presente em todos os Estados, menos no Amazonas, Pará e Roraima, pois custa muito caro desenvolver um projeto por causa da distância. O volume de trabalho é imenso, na Índia, na África. Quando algum grupo introduz uma técnica diferente, a gente tenta seguir. No mais, a gente aplaude.

O SR. VAI MUITO À ESCANDINÁVIA? COMO O TRABALHO SE DESENVOLVEU LÁ?

Começou na Suécia há 30 anos. Tinha amigos exilados, que nos anos 70 me convidaram para fazer uma oficina. Fui voltando nos anos seguintes. Durante muito anos fui para a Suécia e a Noruega. Mas agora canso muito se pego avião sempre. Meu filho leva o trabalho adiante. O Julian, segundo ele mesmo, faz o mesmo trabalho que eu, mas muito melhor (risos).

ELE ACREDITOU NO POTENCIAL DELE, E ESSA RESPONSABILIDADE É SUA...

Exatamente, você matou a charada. Dizia para o Julian que ele era melhor do que pensava, ele acreditou. E me respondia: "Sou mesmo." Julian trabalha muito no exterior. Na África, na Ásia. Na Índia, existe a Federação Indiana do Teatro do Oprimido. Em 2006, ela reuniu 12 mil pessoas numa praça em Nova Déli. Foi muito lindo de ver, porque 80% eram mulheres, vestidas com seus saris coloridos.Ver aquelas mulheres resolutas, fortes, gritando slogans, cantando hinos sobre teatro, sobre Arte, foi muito bonito. A Arte, afinal, pertence a elas. O Teatro do Oprimido está espalhado por toda a Índia, pelo Paquistão, pelo Sri Lanka. No Sri Lanka, quando houve o tsunami, eles faziam o arco-íris do desejo no campo de refugiados para tentar entender como ficou a cabeça das pessoas depois de um desastre daquelas proporções. É o que que queremos. Criar multiplicadores criativos. Multiplicar um sistema que já existe.O que importa é para quem você faz. Como aplico esse método para essas pessoas, nesse lugar e com esses problemas?

COMO ESTÁ A APLICAÇÃO DO MÉTODO NOS PRESÍDIOS BRASILEIROS?

A cadeia é o único lugar onde temos problemas para trabalhar, por conta de tanta burocracia. É um trabalho que está parado atualmente, mas tivemos experiências maravilhosas. Havia uma prisão no Estado de São Paulo que parecia um leprosário, ninguém chegava perto de ninguém. Conseguimos trazer os prisioneiros para o meio da praça, usando o teatro-fórum, como se fossem cidadãos livres. Eles entraram em cena e contracenaram com os outros. Deu certo. Os presos aceitaram que estavam pagando pelos crimes que cometeram e voltariam a viver em sociedade se fosse possível. Uma vez fizemos uma peça onde um preso contava sua história, trágica. Ele era inocente e estava preso há dois anos porque não sabia como se defender. Durante sua apresentação, coincidentemente, tinha uma juíza na plateia. Espantada, ela prometeu o alvará de soltura dele e cumpriu. Situações como essas, existem muitas. Numa cadeia paulista onde aplicamos o teatro legislativo, por exemplo, conseguimos fazer creches para as detentas que tinham filhos. O problema é a burocracia. Os funcionários do Depem, órgão que administra as cadeias, são impenetráveis. Na cabeça deles não entra nada. Não compreendem que o que está na lei tem de estar subordinado a um bem maior. Sei que a lei deve ser obedecida. Existe uma lei que diz: é proibido pisar na grama. Não quero pisar na grama, porque acho que é uma lei justa. Mas se uma criança está sendo atacada por um cachorro, você tem de pisar na grama, dar um pontapé no cachorro e salvar a criança. Violar a lei às vezes é necessário. Trabalhamos também com o Ministério da Cultura em 16 Estados, e com o Ministério da Saúde, nos Capes (Centros de Atendimento Psicossocial). Tentamos enquadrar o delírio patológico no delírio estético. Afinal, teatro é uma forma de delírio, uma forma de alucinação.Também trabalhamos em comunidades violentas. A violência ocorre pela obtusidade das pessoas. Alguns continuam nesse caminho, mas outros felizmente entendem que o diálogo é a forma soberana da comunicação.NO CONTEXTO

DA GLOBALIZAÇÃO, DA SOCIEDADE DE CONSUMO, O SEU MÉTODO PODE SER APLICADO DA MESMA FORMA QUE HÁ 30 ANOS OU PRECISA SER READAPTADO LEVANDO EM CONSIDERAÇÃO AS MUDANÇAS SOCIAIS?

O Teatro do Oprimido se torna mais útil ainda nesses novos tempos. Ele é o contrário da globalização, faz parte da mundialização. A globalização é uma pirâmide da desigualdade. No topo, ficam os ricos, as pessoas desonestas, responsáveis pelo crash da bolsa e a crise mundial. A globalização é uma fagocitação, esses ladrões todos querem comer os outros. É uma coisa antropofágica. A mundialização não. Se você tem um saber, você tem de espalhar esse saber. Não pode ser aquele sábio que vive no topo de uma montanha. Isso me lembra uma piada mineira. O homem pergunta: "Senhor sábio, o que é a vida?" O sábio responde: "Meu filho, a vida é um rio." "Um rio?", desconfia o homem. O sábio vacila: "Uai, não é não?" Esses velhos sábios não me interessam. Temos de ser generosos e solidários com os outros e deixar que eles usufruam do seu saber.

PODERIA ESCLARECER UM POUCO AS DERIVAÇÕES DO TEATRO DO OPRIMIDO? TEATRO LEGISLATIVO, INVISÍVEL....

O Teatro do Oprimido é uma grande árvore. Essa árvore tem as raízes na ética e na filosofia de humanizar a humanidade. É a nossa base. Depois começam os jogos, para restaurar a capacidade criativa das pessoas. Em seguida, vêm os diversos ramos da árvore, como o teatro invisível, o teatro legislativo, o arco-íris do desejo, que serve para exteriorizar as opressões internalizadas. O mais usado é o teatro-fórum, que significa colocar um problema e discutir teatralmente esse problema. É a forma mais difundida, porque produz resultados mais imediatos. O arco-íris do desejo requer uma reclusão maior, em grupos pequenos. Trata problemas individuais. Todas as formas de teatro são úteis, têm uma função. O sucesso extraordinário desse teatro, no mundo todo, se deve à revelação de que o teatro não é o palco, não são as luzes, não é um texto escrito necessariamente, não é iluminação, não é nada disso. Teatro somos nós. Cada um de nós traz em si mesmo um ator. Nesse momento, por exemplo, estou sendo ator. Estou agindo e ao mesmo tempo sendo espectador. Estou ouvindo o que estou dizendo, minha voz, estou pensando no que vou dizer. Teatro é isso. Você percebe que pode avançar num sentido que não é aquele previsto pela sociedade, tecnicamente e mecanicamente. Você sai da moldagem e passa a ser você mesmo, descobrindo coisas insuspeitadas. Que você é melhor do que você pensa que é. Todo mundo é melhor do que pensa que é. Todo mundo é mais capaz de fazer o que já está fazendo. Meu teatro é a descoberta dessa capacidade.
O QUE AINDA FALTA FAZER?

Já fiz muita coisa e tenho intenção de fazer muitas mais. Estou terminando um livro que se chama As Estéticas do Oprimido. Muita gente fala de diversidade cultural, o que defendo. Mas quando pensa em estética, pensa em uma só. Como ser diverso culturalmente, com uma só estética, se a estética é produto de uma cultura? Por exemplo, aquele pintor norte-americano, Jackson Pollock. Nos Estados Unidos, todo mundo acha que ele é um gênio. Leva uma pintura dele para Bangladesh e pergunta o que vão achar. Tudo isso para dizer que os americanos criam a estética deles, da Guggenheim Foundation. Tudo isso para dizer que não existe uma soberana estética à qual todos nós devemos nos curvar e obedecer.

NO ANO PASSADO, SEU NOME TERIA SIDO COGITADO PARA O PRÊMIO NOBEL DA PAZ, COMO RECEBEU A NOTÍCIA?

Não tenho nada com isso (risos). Achei muito simpático, principalmente porque recebi indicações dos cinco continentes. Até na Austrália, que é do outro lado do mundo, recebi cartas de apoio.Pelo que soube, o que ficou faltando foi o apoio de algum Prêmio Nobel. Não tem importância, não me preocupo se vou ganhar ou não neste ano. Mas tenho muito orgulho de ter sido indicado.

E SUA HISTÓRIA COM A QUÍMICA?

Sou engenheiro químico porque meu pai queria que eu fosse doutor e teatro não dava doutorado na época. Tinha uma namorada de quem eu gostava muito e ela foi fazer Química. Fui atrás. Entrei na faculdade e ela não, acabou fazendo Letras. Eu não era o primeiro aluno da sala, mas não era o último. Ficava na média. Mas já esqueci tudo. Só lembro que a fórmula da água é H2O.

TESTAMENTO: O Teatro do Oprimido, de Boal, é uma metodologia cênica que ele desenvolveu nos anos 70 e combina drama e ação social. Poucos dias antes de morrer, o embaixador mundial do teatro pela Unesco entregou à editora Garamond o texto final do seu novo livro, A Estética do Oprimido. Já considerado o testamento artístico de Boal, o livro sintetiza suas principais concepções sobre arte e deve ser publicado ainda em 2009. Boal abre o livro com uma dedicatória: "Sinto sincero respeito por todos aqueles artistas que dedicam suas vidas à sua arte - é seu direito ou condição. Mas prefiro aqueles que dedicam sua arte à vida."

(fonte: Jornal Estado de São Paulo 09/05/2009)

sábado, 2 de maio de 2009

Documentários de Busca



Quatro documentários estão numa pequena mostra no Cine Humberto Mauro. A escolha segue o indicado no título: "documentários de busca". O curioso talvez seja como esse processo de busca é realizado em cada obra, incluindo aí a "guinada subjetiva" (como diria Beatriz Sarlo, em outro contexto) tão em voga e o que vai além: desmedida, surpresa e incorporação. Edíficio Master é uma cidade; Passaporte Hungaro, uma saga; 33, arqueologia; e O Prisioneiro da Grade de ferro, uma população na tentativa do "auto-registro".

Assistam!


No início de maio, com o apoio da Programadora Brasil, o Cine Humberto Mauro apresenta a mostra Documentários de Busca. Foram escolhidos quatro documentários que marcaram o amadurecimento no Brasil, no início do século XXI, de uma forte tendência do documentarismo mundial, onde o universo pessoal do realizador (es) assume papel de destaque. Um Passaporte Húngaro, de Sandra Kogut, registra os processos burocráticos para conquista de um passaporte da mesma nacionalidade de seus avós. Em 33, nos tornamos detetives junto ao realizador Kiko Goiffman, na busca de encontrar sua mãe biológica, que dura exatos trinta e três dias. Já em Edifício Master e O Prisioneiro da Grade de Ferro, o olhar se desloca, a motivação da busca está no outro. Enquanto no primeiro os moradores da famosa residência carioca estão em foco, o segundo revela uma rotina incessante, conformando uma imagem múltipla do presídio, construída pelos próprios detentos. A Programadora Brasil é uma das iniciativas mais contundentes em favor da divulgação do cinema nacional surgidas nos últimos anos. Com mais de 300 títulos em seu acervo, entre curtas, médias e longas metragens, disponíveis em DVD, a distribuidora oferece uma alternativa de programação acessível para locais de exibição sem fins comerciais, como cineclubes e pontos de cultura.


Informações sobre dias e horários no site http://www.fcs.mg.gov.br/

domingo, 26 de abril de 2009

fragmentos

"(...)
Não encontrava graça naquele excesso de música nos finais de semana, pela manhã, em que o primogênito, esquecido das gentilezas, era acometido da tresloucada função de acordar o mundo num estridente mau gosto musical. “Histéricos”, pensava, uns mais que os outros. Em meio à felicidade em modulações desreguladas dos habitantes daquele apartamento, procurava um lugar em que pudesse ficar tranqüilo, sem ser visto e importunado. Tinha problema com a alegria, já que, quase sempre, desencadeava afagos desnecessários, apertos, convites pra passeios fora de hora, ânimos pra estripulias e idéias sobre limpeza que o fazia ficar bem irritado - fora as tentativas malogradas e patéticas de comunicação, num tatibitate que o levava a sentimentos, quase humanos, de compaixão e tédio. Era um gato sistemático, tinha consciência disso e não se importava. Não se importava também de estar encurralado no clichê do “ser gato no mundo”: preguiçoso, temperamental, arredio, um tanto lânguido no viver, irritadiço. Utilizava esses traços, casualmente, quando lhe convinha. Sabia que era mais, que colidia com certas expectativas, mas não se importava com juízos apressados, desde que não lhe incomodassem. (...)"

antigo e com todos os vícios e entusiasmos.



E o Céu ...
O Céu de Suely é um filme que chama atenção pelo modo delicado como conta a sua história. Essa delicadeza no narrar está associada à não intenção do diretor em desenvolver uma grande trama e também à distância que é estabelecida ao que comumente vemos nas abordagens cinematográficas focadas em personagens femininos.
Nessa obra dirigida Karim Ainöuz, não há a explicita convergência com um modelo estereotipado de feminino, mas o cuidado em apresentar uma mulher (Hermina/Suely), para além de julgamentos morais, com seus anseios, dúvidas, perdas e esperanças.
Para essa empreitada, a aridez do espaço, o sertão cearense, espraia-se e contamina vários campos, tais como: a relação entre os personagens, as atitudes e os modos como esses constroem possibilidades de vida satisfatória, a relação com a cidade de Iguatu, lugar de retorno e fuga, e também a linguagem da narrativa cinematográfica.
O filme consegue trabalhar bem com essa escolha que é temática e formal, ao mesmo tempo em que deixa perceber o desejo, que se revela nos interstícios.
Há uma proposta interessante que é a de pouco revelar das cenas, apresentando-as como registro de uma realidade na sua incompletude e fragmentação. Esse caminho, que em um primeiro momento pode levar a uma certa estranheza, expõe a importância da unidade de um bom roteiro e cobra dos espectadores a tarefa de serem co-autores do filme no preenchimento dos espaços em branco.
Sobre esse mesmo aspecto, é importante considerar a bela construção da personagem Hermina, também apresentada em fragmentos, que é movida por paixão e por um desconforto no mundo. E, talvez, o que mais nos encante em uma elaboração que contrasta a crueza e o diáfano seja justamente as possibilidades que a personagem insista em criar, corajosamente e de modo pouco consciente, em um contexto que poucas oportunidades oferecem.
O filme, sem dúvida alguma, apresenta um rigor e vigor cinematográfico, aliando roteiro amarrado e “sugestivo”, uma direção que se apresenta como criadora e que convida o público a participar, fotografia que é tomada pela articulação entre aridez e delicadeza, e um elenco bem preparado que caminha com contundência pela aquela história e que se expõe de modo apaixonante. Enfim, mais um belo trabalho de Ainöuz que, após Madame Satã, inova com esse filme-poema, cuja temática é a busca, ou melhor, a sua possibilidade, definida a partir da paixão e da superação de situações desumanizadoras.

domingo, 29 de março de 2009

Do amor

Do amor
Não falo do amor romântico, aquelas paixões meladas de tristeza e sofrimento. Relações de dependência e submissão. paixões tristes.
Algumas pessoas confundem isso com amor. Chamam de amor esse querer escravo, e pensam que o amor é alguma coisa que pode ser definida, explicada, entendida, julgada. Pensam que o amor já estava pronto, formatado, inteiro, antes de ser experimentado.
Mas é exatamente o oposto, para mim, que o amor manifesta. A virtude do amor é sua capacidade potencial de ser construído, inventado e modificado. O amor está em movimento eterno, em velocidade infinita. O amor é um móbile. Como fotografá-lo? Como percebê-lo? Como se deixar sê-lo? E como impedir que a imagem sedentária e cansada do amor nos domine? Minha resposta? O amor é o desconhecido.
Mesmo depois de uma vida inteira de amores, o amor será sempre o desconhecido: a força luminosa que ao mesmo tempo cega e nos dá uma nova visão.
A imagem que eu tenho do amor é a de um ser em mutação. O amor quer ser interferido, quer ser violado, quer ser transformado a cada instante. A vida do amor depende dessa interferência. A morte do amor é quando, diante do seu labirinto, decidimos caminhar pela estrada reta. Ele nos oferece seus oceanos de mares revoltos e profundos e nós, preferimos o leito de um rio, com início, meio e fim.
Não, não podemos subestimar o amor. Não podemos castrá-lo. O amor não é orgânico. Não é meu coração que sente o amor, é minha alma que o saboreia. Não é no meu sangue que ele ferve, o amor faz sua fogueira dionisíaca no meu espírito. Sua força se mistura com a minha e nossas pequenas fagulhas ecoam pelo céu como se fossem novas estrelas recém-nascidas.
O amor brilha. Como uma aurora colorida e misteriosa, como um crepúsculo inundado de beleza e despedida, o amor grita seu silêncio e nos dá sua música. Nós dançamos sua felicidade em delírio porque somos o alimento preferido do amor, se estivermos também a devorá-lo.
O amor: eu não o conheço. E é exatamente por isso que o desejo e me jogo do seu abismo, me aventurando ao seu encontro.
A vida só existe quando o amor a navega. Morrer de amor é a substância de que a vida é feita. Ou melhor, só se vive no amor.
E a língua do amor é a língua que eu falo e escuto.

Paulinho Moska, músico e compositor

segunda-feira, 16 de março de 2009

alucinação em madri



A chegada era mais que esperada. Horas de expectativa. Tudo em dia: ações e medidas. Contudo, o emperramento. Barrada. Denegada. O que é isso? A barreira de acesso, a barreira da língua. Espera, espera. Espera. A comunicação cambaleia nos sacolejos da truculência. Sobre a mesa dinheiro, passagens, documentos, ironias. A burocratização atinge o limite (o seu núcleo duro): o vazio, sem lugar para explicações ou justificativas. Portas? Só as que a levem de volta. O tempo se expande, e se esgarça. De repente, o movimento: camburão. Avidez por água, por comida. Espera. Negativa. Renegada. Denegada. Horas e dias em cinzas. Já longe as cores mediterrâneas. Esvai-se o projeto de encontro. Onde estará? Perguntas não encontram respostas. Do mundo não se sabe: distante (incomunicável) ou reduzido às paredes de um lugar nenhum (desfronteirizado). Chora e estranha a sanha sádica dos uniformizados, executores de gélidos silêncios só cortados por enviesados insultos. O humano vai ao rés-do-chão. A civilização do velho continente mostra a sua cara, sua moral, seu contorno, seu medo, sua arrogância. E ela assustada, sozinha.
Novamente o movimento, alinhamento. Marcados como gado contaminado, são levados em grupo. Ela entra eles. Todo cuidado é reservado àqueles que sonharam, planejaram, arquitetaram. Sem conversa, sem desculpa. A indignação revolve corpos afásicos. Está quase. Mais algumas horas. Espera. Vôo confirmado e a entrada, e o retorno, após a acomodação de todos os passageiros com destino ao país que AQUELES ousaram sair. Quem mandou ser hospitaleiro? Ficar de braços abertos por aí? Descompasso ou complexo atávico?
Partiu, deixando sonhos e fomentando amargura.
Fica a impressão de que deu tudo errado, e o pior, hoje ninguém mais tem pudor em esconder.

para um rei assim: sem muita majestade

Não olha nos olhos
Estranha e recua, avesso do outro
E o desconforto se espraia


Seu ritual instaura o rígido -
Rijo o corpo e alma -
Em desenho de expressão saturada


Afirma o silêncio que sentencia mudez

Tédio e monotonia encurralam o Taciturno

À espreita do fim


(O que pode ainda o anzol neste filete forjado na recusa?)

quinta-feira, 12 de março de 2009

de um antigo sarau

Nessa Caixa

Nessa caixa! Mas não encontro a chave certa. O que é isso, ontem foi tão rápido, automático, mãos sensíveis ao toque, objetos em laboriosa participação.
Não é todo dia que a gente tem as engrenagens reveladoras em solidária exposição, não é mesmo?
Bem, mas o que guardo aqui? Nessa Pandora minimalista?
Vocês vão ver.
Aviso logo aos curiosos que não é nada demais.
Mas é especial.
Por que resolvi revelar, apresentar, expor? Não sei.
Mas garanto que está bem distante do exibicionismo.
Acho que me simpatizei com vocês e resolvi comungar. Nossa, a palavra comungar me soa muito católica, dançando no círculo do sagrado, e definitivamente não é esse o sentido da empreitada. Já que o que revelo aqui está na dimensão do corriqueiro, do ordinário da vida, quase trivial não fosse a sua importância, sua potência.
A idéia de preservar esse “alguma coisa” na caixinha é recente. Confesso que a idade pode ter pesado, logo agora que sou um jovem senhor, que me vejo “um novo jovem senhor”.
E também se deve ao fato de que formulei uma pergunta-mola-propulsora-pra-partilhar-intimidades-e-sucitar-encontros que tem me acompanhado, fixa que está na ponta do meu sapato, que é:
o que você guarda no seu baú?
Como quase tudo na vida, essa pergunta se desdobra, numa filiação multiplicadora – perguntas-filhas:
você tem um baú?
sim?
não?
por que?
uma caixinha no fundo da gaveta da cômoda, não?
por que uma pessoa tem/teria um baú?
o que de mais precioso poderia ser guardado em um baú?
guardar?
pra que?

(Curiosidades fora do lugar em giratória especulação.)
Ao falar de caixas, baús, lembrei-me de trechos de um poema que diz, mais ou menos, assim:

Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista.
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto é,
iluminá-la ou ser por ela iluminado.

Esse Antônio Cícero sabe das coisas. E acredito que guardar não é mesmo esconder, não é trancar, mas aquilo que de alguma maneira apreendemos, por ficar, por nos passar, por sorvemos, por nos marcar.
No entanto, por que insisto nos baús? Ou melhor, em sustentar a necessidade de caixas? De querer saber sobre as caixas dos outros e, afirmativamente, desejar mostrar o que guardo?
Perguntas.
Elas não me deixam em paz, pernoitam em sonhos e vigílias.
Não sei se tenho a resposta, mas indícios. E o que guardo aqui quase configura um vestígio.
No fundo, o que motiva essa ânsia talvez esteja ligado à saudade. É isso a Saudade e a intenção de não perder o registro, a lembrança que inevitavelmente se esvai, se apaga.
Como era mesmo?
Tenho saudade de muita coisa, muita gente, e tenho medo. Daí a busca pelo registro fiel, fincado na memória, ou a preocupação em guardar objetos que falem de uma época, evoquem um momento e dêem crédito ao nosso discurso.
Tarefa inglória.
Memória, História, Pessoas e Objetos circulam em movimentos imprevisíveis, indômitos, fugazes. E estão todos, inevitavelmente, atrelados à morte.
E acho que aí reside o indício maior: se não temos saída para o inelutável, o que nos resta?
Mais uma pergunta: o que nos resta?
Ora! Algo que confronte a morte, que seja do seu tamanho, que tenha peito pra afirmar sua Vontade.
E é isso. O que eu guardo aqui nessa Caixa é uma porção da minha vida, da minha ética, da minha qualidade (ainda que precária) de existir.
Guardo aquilo que, por se expandir e me colocar em confronto com o mundo, me vitaliza e pede passagem:
CRIAÇÃO
INVENÇÃO
Pode ser pouco, mas (...)

terça-feira, 10 de março de 2009

em tempos de mudez



Essa é pra mim mesmo, quando andava mudo por aí.


EU VI VOCÊ ATRAVESSAR A RUA
MOLHANDO A SOMBRA NA ÁGUA
EU VI VOCÊ PARAR A LAGOA PARADA
VOCÊ ATRAVESSOU A RUA
NA DIREÇÃO OPOSTA
PISANDO NAS POÇAS, PISANDO NA LUA
E A POESIA REFLETIDA ALI ME DEU AS COSTAS
E PRA QUE PALAVRAS
SE EU NÃO SEI USÁ-LAS?
CADÊ PALAVRA QUE TRAGA VOCÊ
DAQUELA CALÇADA?
VOCÊ ATRAVESSOU A RUA
NA DIREÇÃO CONTRÁRIA
E A POESIA QUE MEU OLHO MOLHAVA ALI
QUEM SABE NÃO ME CAIBA
QUEM SABE SEJA SUA
ALI, ATRAVESSANDO A CHUVA
E TODA A LAGOA PARADA
VOCÊ NA DIREÇÃO ERRADA
E EU NA SUA

(Canção sem seu nome. Adriana Calcanhotto)

domingo, 8 de fevereiro de 2009

decolagem


(...)
Eu apenas queria que você soubesse
Que aquela alegria ainda está comigo
E que a minha ternura não ficou na estrada
Não ficou no tempo presa na poeira
(...) (Gonzaguinha)

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Fronteira é um dos nome das roupa.


Texto que não entrou no Verão Contemporâneo. Experiência inusitada:

NA FRONTEIRA DO CORPO
DO GÊNERO
DAS SAIAS
DA CALÇA
DO CAMINHO.

NA FRONTEIRA DO ABISMO
DO PENHASCO
DO REDEMOINHO.

MEU LIMIAR É ESSA FRONTEIRA QUE NÃO ME LARGA
ENLAÇA, ACOMPANHA, SEGURA: EXTENSÃO.

TENHO ROTAS A SEGUIR?
TENHO CORPO PRA VESTIR?
O QUE É SEGURO?

NA FRONTEIRA, ONDE ALCANÇO
ADAPTO
AMARRO
RODOPIO
TRANSFIGURO.

“O QUE PODE O CORPO”? O QUE PODE A CRIAÇÃO?

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Proibido Proibir


Assisti ano passado e vou poder conversar sobre ele com uma turma este mês. Gosto do roteiro, gosto dos olhares, dos focos, do Rio visto e representado, gosto das atuações, delicadas nas suas irregularidades, gosto das questões que emergem devagar e que só se apresentam, sem muito julgamento.

Gosto do abraço e da esperança que fecha o filme: dolorida, sentida, machucada, mas ainda esperança!

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

quarando o eu na estiagem

Lavanda (Otto)

Em Bora Tao
Em Bangladesh Goa
Na China Mao
Free Tibet para mim é pessoal
Lavanda ofereço orixá
Luanda, Havana e Salvador
Na lama do Recife sou xangô
Umbanda, caranguejo, salta a dor
Que idade banha ele
Banho de mar
Que idade banha ele
Iemanjá

domingo, 11 de janeiro de 2009

"E o Wally rompendo palavras!"


Pan-cinema Permanente é o nome do documentário (?) de Carlos Nader sobre (?) o Wally Salomão. Assiti há algumas semanas, e ele ainda ressoa aqui.

Performance em circuito, transbordante. O mel do excesso, da cena viva, criativa, instigante: poesia. A alegria, sim, é a prova dos 9, quando estímulo pra criação, pros bons encontros, pra obra que se faz na/em/com a vida (curta pra ser pequena). "Me segura que eu vou dá um troço", "Algaravias", "Pescados Vivos" (...) ficam desse poeta que carregou o mistério na postura de vida que não permitia quebras, pelo menos expostas, de vida e arte.
Como diz o Otto: "é o Wally que se vai, rompendo palavras".

Amante da Algazarra
Não sou eu quem dá coices ferradurados no ar.
É esta estranha criatura que fez de mim seu encosto.
É ela !!!
Todo mundo sabe, sou uma lisa flor de pessoa,
Sem espinho de roseira nem áspera lixa de folha de
figueira.
Esta amante da balbúrdia cavalga encostada ao meu
sóbrio ombro
Vixe!!!
Enquanto caminho a pé, pedestre -- peregrino
atônito até a morte.
Sem motivo nenhum de pranto ou angústia rouca ou
desalento:
Não sou eu quem dá coices ferradurados no ar.
É esta estranha criatura que fez de mim seu encosto
E se apossou do estojo de minha figura e dela
expeliu o estofo.
Quem corre desabrida
Sem ceder a concha do ouvido
A ninguém que dela discorde
É esta
Selvagem sombra acavalada que faz versos como
quem morde.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Aqueles Dois


A peça Aqueles Dois está na Campanha de Popularização do Teatro.

Sala Juvenal Dias do Palácio das Artes.

A partir do dia 08/02.


Aqueles dois em delicada sintonia...

Adaptação, desconstrução, diálogo, exercício, processo coletivo (...) talvez seja tudo isso junto e/ou em diálogo, mas, quem sabe, estejamos diante de algo que teime em escapulir das definições apressadas, dos enquadramentos. Digo isso porque acredito que a peça Aqueles Dois (Cia Luna Lunera) dimensiona o texto de Caio Fernando Abreu para um território em que as referências poéticas, musicais, literárias e de vida dançam em uma coreografia delicada, envolvendo o texto literário em uma teatralidade que se ajusta muito bem às propostas de pesquisa de linguagem e de uma espontaneidade que, felizmente, vitaliza o texto e o próprio teatro.
É emocionante partilhar encontros, descobrimentos. E Aqueles Dois nos chega com a generosidade de um abraço. Mas por que? Como? São perguntas necessárias no exercício de uma reflexão que não se encerra no elogio.
Percebo que a proposta apresentada estabelece um pacto com o espectador ao propor um campo íntimo de encenação (espaço do teatro e escancaramento da teatralidade), e reforçar o convite à imersão em uma história que adquire várias vozes e possibilidades de uma escritura teatral, sem perder a fina tessitura do conto. Nesse sentido, há todo um cuidado em abrir frentes, em um campo de linguagem que aciona sentidos e percepções, ao contar a história dos dois funcionários públicos imersos no “deserto de almas” burocrático e as afinidades eletivas que os aproximam afetivamente.
O processo extravasa “poesia”, filia os atores na seara dos criadores, donos que são da cena, incluindo aí uma espontaneidade que nos instiga pela sua aparente fragilidade. No entanto, logo percebemos a necessidade de substituir a palavra fragilidade por delicadeza (essa proposição ética) que dialoga com o texto e com todo o entorno afetivo tão bem amarrado. No deslizamento que os atores fazem em cena aberta por personagens, situações, emoções e espaços, em um belo movimento de multiplicação-diferenciação-identificação, revela-se uma integração poucas vezes vista. É impossível não associar o trabalho atual da Cia Luna Lunera com os instigantes Ensaio Hamlet e Gaivota (Tema para um conto curto) da Cia dos Atores, em que tão bem se ajusta o verso de Orides Fontela: quebrar o brinquedo ainda é mais brincar[1]. As propostas desses grupos se aproximam pela disposição em pesquisar a linguagem cênica e elaborar trabalhos na perspectiva do que podemos aqui chamar de desdobramento continuo, do texto e da cena, apontando para caminhos onde o fragmentado encontra sua unidade no exercício do livre jogo instituído / contra a limitação das coisas (...).

Para não terminar, só mais algumas palavras...

Um campo afetivo emerge do encontro.
Não se sai ileso da experiência em que arte e vida se misturam, em que ação e narração deixam escapulir desejos, em que as afinidades se abrem para novos possíveis...

... em que o coração aberto do expectador se torna cúmplice da piscadela de Odilon Esteves, ao final da apresentação, quando comenta sobre os que ficaram no deserto de almas (talvez infelizes pra sempre) ... e a força de uma providencial deserção ... um devir-afeto.


[1] Todos os versos presentes no texto são do poema Ludismo, de Orides Fontela.
FONTELA, Orides. Ludismo. Poesia Reunida (1969-1996). São Paulo, COSACNAIF; Rio de Janeiro, 7 Letras, 2006

domingo, 4 de janeiro de 2009

Cleópatra na Mostra Passou Batido


Dia 5 de janeiro começa a Mostra Passou Batido, no Palácio das Artes. E, sem dúvida, um filme que passou batidíssimo (uma semana apenas) e merece ser visto é Cleópatra. Segue uma das críticas do filme, retirada do site revistacinetica.com.br.


Cleópatra, de Julio Bressane

Francis Vogner dos Reis

Elogio ao amor
Cleópatra de Julio Bressane é um filme anti-intelectual. A afirmação pode parecer irônica, mas se levarmos em conta que Bressane não usa o cinema como um mero mecanismo de reflexão intelectual (suas imagens são concretas, não metáforas) e também não o tem como um meio de investigação racional que vai delegando sentidos e leituras imediatas a cada imagem, a pecha de “filme cabeça” não faz muito sentido. Seus filmes, Cleópatra em especial, não são invólucros com um conteúdo ilustre, não possuem aspirações inteligentes: o que eles têm são sensibilidades únicas que existem a partir de suas imagens. As preocupações do diretor Julio Bressane certamente são fruto de seu singular instigamento intelectual, mas seus filmes não existem exatamente para contemplar sua vasta cultura e se adequar à sua visão de mundo. Seus filmes, assim como os de Sganzerla, Pasolini e Godard são tão grosseiros quanto sublimes. Seu segredo, seu espírito, reside nessa dualidade.
Este Cleópatra que foi vaiado por uma parte do público no festival de Brasília não é um de seus filmes que pedem uma abertura maior do espectador para estabelecer uma relação com ele. O mito da rainha egípcia Cleópatra VII está lá e Bressane o respeita quase que integralmente. Sua fama de mulher culta, seus casos com Júlio César e Marco Antônio, a política – tanto a de diplomacia quanto a de alcova – e sua morte. Há até uma estrutura dramática (mas não exatamente um desenvolvimento dramático), algo raro nos filmes do diretor, apesar de que a intenção de Bressane não é fazer um trabalho como os de Cecil B. DeMille e Joseph L. Mankiewicz.
No filme, Julio Bressane faz o que pode ser considerado um estudo poético da beleza ou da expressão da beleza. Não de uma beleza que se julgue a partir do enlevo, da norma ou, paradoxalmente, da sua negação. O diretor não trabalha no nível da oposição nem busca afirmar o que é belo. Seu trabalho é o da transcendência do belo, de ultrapassar o que por si só é considerado “bonito” ou “artístico” para atingir uma força que emana das imagens, de suas somas, de seus signos. Em outras palavras: o esforço de Bressane em Cleópatra é atravessar a “estética” (como norma de beleza, de valor, de sentido), indo além dela – nada mais natural já que em alguns de seus últimos trabalhos ele escolheu personagens de “passagem” como um tradutor (São Jerônimo) e o filósofo da transvaloração (Nietzsche). São personagens no limiar de um mundo velho e na tentativa de conferir valor e significado a um mundo novo.
Bressane procura em Cleópatra uma personagem capaz de sintetizar, e trazer à luz, toda sorte de imagens necessárias para que ele trabalhe a expressão – pictórica, léxica e musical – de questões que englobam sua poética sobre o conhecimento e a arte (“sou Alexandria e sou Atenas”, diz a personagem), uma espécie de versão do autor sobre as imagens que constituem o conhecimento e a arte ocidentais. A Cleópatra de Alessandra Negrini (na performance mais radical do cinema brasileiro nos últimos anos) é uma espécie de médium, de receptáculo que absorve e transborda ao mesmo tempo as forças vitais da beleza e do conhecimento. Tanto que ela é cortejada pela Roma decadente que sofre de uma aridez criativa, de uma escassez de beleza e de um sufocamento do poder. Segundo o próprio César “a cultura latina é um erro, uma deturpação da grega”. Roma tem em Cleópatra uma imagem da promessa de ser o que não conseguiu ser. Um desejo do que lhe é ausente.
A potência de Cleópatra de Bressane vem de um rigor que não se basta pelo seu conjunto de imagens belas ou pelo seu célebre repertório temático ou até mesmo pelo toque do autor Bressane, já que outros filmes com a sua marca tipo Miramar e em alguns momentos até mesmo O Mandarim, são totalmente apáticos e desprovidos de vida. Existe nele uma energia que, se não violenta a percepção (não chega a tanto), “nos dá a ver”, e isso é raro. Raro porque faz de imagens concretas, nada subjetivistas, a modulação de sua força, de materialização de seu espírito poético. Por isso, muitas vezes Cleópatra nos lembra alguns filmes mudos (Meliés) ou aqueles que têm sua grandeza no uso mínimo (e essencial) das palavras e das imagens (Dreyer). Aqui a luz de Walter Carvalho tem um papel primordial porque, entre outras coisas, obedece ao projeto de um cineasta. Ou seja: é menos marcada pela personalidade “WC”, que em muitos filmes parece francamente trabalhar de maneira autônoma.
Basta querer “ver” para entender que essa lenda que os filmes de Júlio Bressane são prolixos é uma bobagem, retórica preguiçosa de quem opta por entender as coisas através de “lentes mentais”. Já alguém que nunca viu um filme na vida, e assista a Cleópatra, verá, essencialmente (e mais do que em qualquer outro filme), qual a sua particularidade como forma de expressão, desde um enquadramento que se sabe “composição”, passando pela disjunção da imagem sonora e da visual e chegando à musicalidade da disposição das imagens. É um filme didático (no bom sentido) que expõe de maneira clara “do que o cinema é feito”. Cleópatra é feito com a câmera e depende da luz, simples assim. É um filme de cinema exasperado em sua radicalidade, mas com serenidade. É um filme que rejeita velhas categorias de pensamento, é um cinema do futuro: a vocação de todos os grandes filmes em qualquer época.

colada no ouvido

Candura- Max de Castro
Desculpa
Se alguma vez houve estupidez
Insensatez ou falta de atenção
Nem sempre o que a gente diz
É exatamente o que se quer dizer
O coração sincero sabe bem de onde vem
Cada dor e cada dissabor
Eu sei de cor o amor que eu tenho por você
É o que eu tenho de melhor
A vida é dura mas ela só faz melhorar
Nesse meu navegar
Tudo é impreciso, incerto
E tem juros altos demais
Assim eu posso até dizer que cada minuto longe de você eu tenho prejuízo
Ninguém nunca vai e nem pode entender e é difícil até fazer
Uma canção pra dizer
Nós juntos temos um futuro que é a coisa mais preciosa que existe no mundo
A vida é dura mas ela só faz melhorar
Quase não tenho saudade nenhuma

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

propostas ...

propostas:

- "eu preciso afrouxar a roupa e recuperar o paladar"
- exercitar novas danças
- retomar, retomar
- "todos os encontro, todos os poemas / manda me avisar"
- ampliando, ampliando
- encerrar histórias (algumas acabam mesmo)
- invenção
- alegria é a prova dos nove
- tô passando, vou empurrar, por favor, fodas!

(devem mudar, claro)