segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Visita ao Zoológico

Nos últimos anos tenho visto com entusiasmo as propostas teatrais que procuram romper com a perspectiva ilusionista e ir um pouco mais além, a partir da exposição da engrenagem cênica e do instigante processo de busca por uma expressão renovada. Como diz Orides Fontela, “revelar o brinquedo ainda é mais brincar”, e é dessa possibilidade que expõe, discute e reafirma o pacto da criação e do jogo (reinventado) que ando atrás. Talvez por isso tenha me entusiasmado tanto peças como Ensaio Hamlet, Gaivota – Tema para um conto curto (Cia. dos Atores e criação de um grupo de artistas filiados às investigações da Cia. dirigida por Enrique Diaz, respectivamente) e Aqueles Dois (Cia. Luna Lunera), por tudo que apresentam de um estranhamento constantemente renovado, de uma criação e sua concomitante desconstrução, de uma polifonia em que se insere o embaralhamento entre personagens e atores, e de uma apropriação efetivamente criativa dos que estão lá, no palco, vivos na mais expressiva potência.
Mas eis que aparece Zoológico de Vidro e reafirma o teatro também na sua forma aparentemente “tradicional". Nessa mirada, não importa tanto as perspectivas ou elucubrações entre teatro dramático ou pós-dramático, mas o entendimento de que a expressão artística deve encontrar seu canal e formular questões independente dos rótulos a priori, já que o “experimental” pode nada efetivamente experimentar.
A montagem do Ulisses Cruz para o texto de Tennessee Williams consegue erguer um mundo no palco. Não dentro de um esquema naturalista, edificando o ilusionismo. Mas contando uma história com o jogo teatral quente, entusiasmado, em um belo movimento que aproxima tradição e modernidade.
Quando questiono aqui o uso de termos depreciativos, como “tradicional”, estou considerando que a boa obra é a do seu tempo, das formulações do seu tempo, das propostas do seu tempo, do “porvir” do seu tempo. E, nesse caso, longe da fossilização do texto e de uma encenação reverenciosa, o que vemos é um movimento de pensamento sobre a cena que se realiza quase que invisivelmente, estando aí seu maior mérito: não há uma demonstração do conceito, há experiência de corpos que pensam e elaboram artisticamente a partir de certas escolhas e parâmetros.
Nesse sentido, dramaturgia e encenação conseguem caminhar em diálogo profícuo, evidenciando inteligência na criação, seguindo com êxito a proposta de valorização da memória, orientadora do discurso (que vira imagem) do narrador, e do peso dos encontros nas ações (e/ou inações) dos personagens.
E o que temos no zoológico? Uma família conduzida pela forte presença de uma mãe que a tudo domina; filhos que não encontram autonomia, refugio nos sonhos; frustrações e impulsos de revolta abortados; encontros em baixa potência; e a narrativa de um dos integrantes da família, que revela, com desapontamento, frágil esperança e amargura, “sua versão dos fatos”. Essa pode ser a mirada ou a lembrança do enredo da peça. Não poderíamos dizer simplesmente o enredo, pois esses apontamentos se apresentam a partir de um filtro do que foi visto, do que foi possível ver do encenado.
Talvez esteja aí o que considero digno de nota: há uma história e, em paralelo, há (por vezes num campo virtual) um diálogo com os criadores e com as memórias (muitas) que percorrem todo o tempo da peça. Como se, para além da demonstração de um procedimento, pudéssemos perceber a expansão de um campo de expressão amplo que ultrapassa o visível. Mas isso acontece em toda obra? Acredito que não. Em alguns trabalhos somos apenas conduzidos pela fábula ou, às vezes, apresentados aos dispositivos que ressaltam o processo, mas que nos fazem, aqui e ali, duvidar que este mesmo processo faça parte de um diálogo entre propostas, idéias, procedimentos e criação.
E, no caso da montagem de Ulisses Cruz, há uma comunicação que não se frustra, pelo contrário, levanta questões sobre os caminhos escolhidos, as linhas de comunicação (entre várias possíveis) e a articulação entre os elementos artísticos em cena e a dramaturgia de Tennessee Williams.
O eixo organizador da peça são as reminiscências de Tom (Kiko Mascarenhas), o filho que reconta a história da família. Nesse caso, ele figura em um naturalismo de quem vive o drama e, por vezes, se distancia ao narrar. Os outros personagens são projetados pelo narrador em um plano mais expansivo, ressaltando posturas variáveis: do autoritário ao patético, passando pela extrema fragilidade e pela solidão. É interessante observar o trabalho de Cássia Kiss (Amanda Wingfield, a mãe) e Karem Coelho (Laura, a filha) ao optarem em fazer de suas personagens também projeções de um olhar amargurado. Força, lamento e excesso que sufoca; insegurança e fragilidade (...) atuações inteligentes e sensíveis. Completa o elenco Erom Cordeiro (Jim) em um papel ajustado no filtro da memória que traz a possibilidade de um mundo para além das paredes da casa da mãe.
Enfim, uma obra que, após tanto tempo desde a apresentação em Belo Horizonte, ainda reverbera aqui.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

alegria - arnaldo antunes

Eu vou te dar alegria
Eu vou parar de chorar
Eu vou raiar o novo dia
Eu vou sair do fundo do mar
Eu vou sair da beira do abismo
E dançar e dançar e dançar
A tristeza é uma forma de egoísmo
Eu vou te dar eu vou te dar eu vou

Hoje tem goiabada
Hoje tem marmelada
Hoje tem palhaçada
O circo chegou

Hoje tem batucada
Hoje tem gargalhada
Riso e risada
Do meu amor