quinta-feira, 12 de março de 2009

de um antigo sarau

Nessa Caixa

Nessa caixa! Mas não encontro a chave certa. O que é isso, ontem foi tão rápido, automático, mãos sensíveis ao toque, objetos em laboriosa participação.
Não é todo dia que a gente tem as engrenagens reveladoras em solidária exposição, não é mesmo?
Bem, mas o que guardo aqui? Nessa Pandora minimalista?
Vocês vão ver.
Aviso logo aos curiosos que não é nada demais.
Mas é especial.
Por que resolvi revelar, apresentar, expor? Não sei.
Mas garanto que está bem distante do exibicionismo.
Acho que me simpatizei com vocês e resolvi comungar. Nossa, a palavra comungar me soa muito católica, dançando no círculo do sagrado, e definitivamente não é esse o sentido da empreitada. Já que o que revelo aqui está na dimensão do corriqueiro, do ordinário da vida, quase trivial não fosse a sua importância, sua potência.
A idéia de preservar esse “alguma coisa” na caixinha é recente. Confesso que a idade pode ter pesado, logo agora que sou um jovem senhor, que me vejo “um novo jovem senhor”.
E também se deve ao fato de que formulei uma pergunta-mola-propulsora-pra-partilhar-intimidades-e-sucitar-encontros que tem me acompanhado, fixa que está na ponta do meu sapato, que é:
o que você guarda no seu baú?
Como quase tudo na vida, essa pergunta se desdobra, numa filiação multiplicadora – perguntas-filhas:
você tem um baú?
sim?
não?
por que?
uma caixinha no fundo da gaveta da cômoda, não?
por que uma pessoa tem/teria um baú?
o que de mais precioso poderia ser guardado em um baú?
guardar?
pra que?

(Curiosidades fora do lugar em giratória especulação.)
Ao falar de caixas, baús, lembrei-me de trechos de um poema que diz, mais ou menos, assim:

Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista.
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto é,
iluminá-la ou ser por ela iluminado.

Esse Antônio Cícero sabe das coisas. E acredito que guardar não é mesmo esconder, não é trancar, mas aquilo que de alguma maneira apreendemos, por ficar, por nos passar, por sorvemos, por nos marcar.
No entanto, por que insisto nos baús? Ou melhor, em sustentar a necessidade de caixas? De querer saber sobre as caixas dos outros e, afirmativamente, desejar mostrar o que guardo?
Perguntas.
Elas não me deixam em paz, pernoitam em sonhos e vigílias.
Não sei se tenho a resposta, mas indícios. E o que guardo aqui quase configura um vestígio.
No fundo, o que motiva essa ânsia talvez esteja ligado à saudade. É isso a Saudade e a intenção de não perder o registro, a lembrança que inevitavelmente se esvai, se apaga.
Como era mesmo?
Tenho saudade de muita coisa, muita gente, e tenho medo. Daí a busca pelo registro fiel, fincado na memória, ou a preocupação em guardar objetos que falem de uma época, evoquem um momento e dêem crédito ao nosso discurso.
Tarefa inglória.
Memória, História, Pessoas e Objetos circulam em movimentos imprevisíveis, indômitos, fugazes. E estão todos, inevitavelmente, atrelados à morte.
E acho que aí reside o indício maior: se não temos saída para o inelutável, o que nos resta?
Mais uma pergunta: o que nos resta?
Ora! Algo que confronte a morte, que seja do seu tamanho, que tenha peito pra afirmar sua Vontade.
E é isso. O que eu guardo aqui nessa Caixa é uma porção da minha vida, da minha ética, da minha qualidade (ainda que precária) de existir.
Guardo aquilo que, por se expandir e me colocar em confronto com o mundo, me vitaliza e pede passagem:
CRIAÇÃO
INVENÇÃO
Pode ser pouco, mas (...)

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