domingo, 26 de abril de 2009

antigo e com todos os vícios e entusiasmos.



E o Céu ...
O Céu de Suely é um filme que chama atenção pelo modo delicado como conta a sua história. Essa delicadeza no narrar está associada à não intenção do diretor em desenvolver uma grande trama e também à distância que é estabelecida ao que comumente vemos nas abordagens cinematográficas focadas em personagens femininos.
Nessa obra dirigida Karim Ainöuz, não há a explicita convergência com um modelo estereotipado de feminino, mas o cuidado em apresentar uma mulher (Hermina/Suely), para além de julgamentos morais, com seus anseios, dúvidas, perdas e esperanças.
Para essa empreitada, a aridez do espaço, o sertão cearense, espraia-se e contamina vários campos, tais como: a relação entre os personagens, as atitudes e os modos como esses constroem possibilidades de vida satisfatória, a relação com a cidade de Iguatu, lugar de retorno e fuga, e também a linguagem da narrativa cinematográfica.
O filme consegue trabalhar bem com essa escolha que é temática e formal, ao mesmo tempo em que deixa perceber o desejo, que se revela nos interstícios.
Há uma proposta interessante que é a de pouco revelar das cenas, apresentando-as como registro de uma realidade na sua incompletude e fragmentação. Esse caminho, que em um primeiro momento pode levar a uma certa estranheza, expõe a importância da unidade de um bom roteiro e cobra dos espectadores a tarefa de serem co-autores do filme no preenchimento dos espaços em branco.
Sobre esse mesmo aspecto, é importante considerar a bela construção da personagem Hermina, também apresentada em fragmentos, que é movida por paixão e por um desconforto no mundo. E, talvez, o que mais nos encante em uma elaboração que contrasta a crueza e o diáfano seja justamente as possibilidades que a personagem insista em criar, corajosamente e de modo pouco consciente, em um contexto que poucas oportunidades oferecem.
O filme, sem dúvida alguma, apresenta um rigor e vigor cinematográfico, aliando roteiro amarrado e “sugestivo”, uma direção que se apresenta como criadora e que convida o público a participar, fotografia que é tomada pela articulação entre aridez e delicadeza, e um elenco bem preparado que caminha com contundência pela aquela história e que se expõe de modo apaixonante. Enfim, mais um belo trabalho de Ainöuz que, após Madame Satã, inova com esse filme-poema, cuja temática é a busca, ou melhor, a sua possibilidade, definida a partir da paixão e da superação de situações desumanizadoras.

Um comentário:

  1. nossa, fofito.
    não me canso de reler esse texto.
    que delícia tomar emprestado esse seu lindo, sensível e emocionado olhar.
    descubro/invento/experimento uma deliciosa novidade cada vez que volto nesta página do seu blog. é um filme novo (ou um pouco mais dele) a cada leitura.

    (eu queria ser vc por 24 horas)

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