domingo, 3 de janeiro de 2010

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Sala, televisão ligada. Quarto, televisão ligada. O mesmo canal. Na sala, o pai dorme. No quarto, o filho come. "Vez ou outra", o pai olha pro que passa na tela e resmunga para si, como se deixasse claro que não cai naquela manipulação. O filho nada diz, come atento ao que passa na tela; entre uma garfada e outra, ri. Ri do que? O que segura seu olhar? E se pensasse em desligar? Comeria? Riria do que? Assiste e come e ri. O pai dorme, não, cochila. E, dependendo da risada do filho, acorda do seu cochilo e assiste e resmunga e critica, mas nunca ri. E do que riria? O que tanto critica? E se pensasse em desligar? O que criticaria? O filho passa pela sala e vai até a cozinha rechear o seu prato. Pai e filho mal se olham, mas o filho não perde a oportunidade, ao passar novamente pela sala, de parar em frente à televisão e assistir e rir, como se buscasse a cumplicidade e uma peculiar aproximação. Pela tela os olhares se aproximam, frações de segundo, e se perdem numa estranha desatenção, rapidamente disfarçada pelo riso, por um resmungo tímido (...). O filho volta pro quarto abastecido, pronto pra comer e rir; o pai, retoma o cochilo e o "vez ou outra" da dispersão.
(da série "novas-velhas interações 2010")

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