domingo, 20 de junho de 2010

série caminhos

Não tinha nada a dizer. Era a mudez durante todo o dia ou talvez falasse com alguém nas manhãs em que saia sem dizer pra onde. Longe já se fazia também o tempo do sofá ocupado, dos ruídos dos filhos, dos comentários da mulher e vizinhos. Ele não estava mais lá. Esteve? Será que pensa na falta sentida? Aquela que talvez paire por lá mas que também caminhe por sobre a pele ali? O que guarda esta esfinge que não sugere nem mesmo um enigma a ser desvendado? Não é mistério, não é segredo. Silêncio apenas é o que ele guarda e cultua de um modo particular e intraduzível. No entorno, a culpa é festa para comentários, críticas, ameaças, impropérios e desapontamentos. Legítima é a honra, legítima é a dor, legítima é a decepção, legítima é a vontade de agir ou não, legítimo é aquilo que não sabemos, mas que está lá, operando mudanças invisíveis. De algum lugar, ou de alguma fresta na alma, todos podem falar ou calar, mas não é bem esta a questão. Dizem por aí que desejo é o insondável, nos ameaça, nos dá medo. E será que é um ser desejante aquele que religiosamente abraça o dia em longas caminhadas? O esforço de todos que pensam e observam é de dá sentido, explicar e quem sabe julgar. Mas há algo que é nó e enguiça nossa disposição analítica, felizmente. De nada sabemos deste nosso Bartebly incapaz do balbucio característico - o preferiria não não lhe cabe na boca. E o que lhe cabe na vida? É possível prever? O filho tenta abrir janelas, desbravar caminhos já fechados pelo tempo, esboçar clareiras. Inegável o afeto, inegável o vínculo. Mas algo encerra, impede; e um gosto gelado, que nada tem haver com as tardes de junho, chega pra espantar devires. Qualquer comentário sobre o que não podemos prever na vida somente trisca a imagem de alegria que paira sobre nossas cabeças e insistem em nos vestir. Diante do desfile grotesco de hienas, com suas roupas mal cerzidas, temos dificuldade em saber o que nos serve, o que gostamos. E a pergunta é inevitável: Quando é que escolhemos de verdade? A família não é mais a mesma. E o cotidiano ainda se faz no reativo do estranhamento e das motivações da mudança. Houve uma reviravolta ou uma reviraida. Quem sabe uma revirafuga? Não sabemos. Não sabemos.

Um comentário:

  1. tudíssimo.
    adorei a linda lapidação deste texto. vc está cada vez mais brilhante: mais comunicativas as suas palavras. ou será que eu tô te conhecendo um pouquinho mais...?
    família é sempre a mesma coisa? mudam personagens, cenários, falas (nem tanto), e por dentro, "felizmente", há o nó que foge à compreensão.
    nossa. fiquei agora com um ENORME nó. mas na garganta. senti vontade de ver meu pai. ou melhor: de saber dele. ele levou pra roça o sofá que a gente usava antes de se mudar pra BH. uma relíquia! quando estou lá, tb me lembro dele ocupado. nossa, se eu me lembro de alguma coisa, posso imaginar o tanto mais que ele se lembra.
    reviravolta, reviraida? aposto na revirafuga.
    beijos, meu rei. e muito obrigado pela lindeza do texto.

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