domingo, 13 de março de 2011

das antigas

Não. Sim.

(Sentada em uma cadeira. Olha em direção à platéia. Poucos movimentos, apenas a fala enfática)

- Veja bem. Posso lhe falar? Foi ontem. Decidi. Sim, decidi. Que o não seria a pauta. Por que? Bem, não sei explicar, mas estava na hora. Quero dizer (...) espera! Nada é tão elaborado assim, racionalizado. Posso dizer que durante a minha vida toda fui uma mulher que disse sim. Sim, sim pra tudo. E isso me confortava sobremaneira. Mas sabe quando esses sins passam a não sair bem da boca? Quando agarra na embocadura? (pausa) O que eu estou dizendo? É, talvez seja uma espécie de recusa, mas não gosto dessa palavra. O que eu sinto é mais forte que eu, portanto não passa por uma segura vontade. Pois é, o sim que me constituía, o sim que me apresentava, o sim que me credenciava no mundo, o sim que me apaziguava e me protegia de qualquer remorso. O sim não cabe mais em mim! E eu optei por exercitar o não, delicadamente, timidamente, o não. Hoje não, agora não, não gostaria, prefiro não. Não, no presente. Não. Não, minto, menti agora para vocês quando disse que os meus não eram obras delicadas, tímidas. Isso aconteceu poucas vezes nesse pequeno ensaio que faço hoje. As pessoas, principalmente aqui em casa, já se acostumaram com os meus sins, e estranham com raiva e, às vezes, com estratégica compaixão a minha coleção de nãos.

(Tira o casaco e os sapatos. Ainda sentada)

É isso, tem momentos em que preciso ser mais incisiva sim, com os nãos. Chega. E as reações não poderiam ser piores: olhares, queixas, estrondos desmontam a casa. As paredes ameaçam a cair. Como é estranha a constatação de que tanto sins sustentassem isso tudo.
Hoje eu não acordei ninguém, eu não respondi as frases de sempre, não demonstrei preocupação sobre a ordem das coisas na casa, não exercitei o falso afeto, não compartilhei impressões que me são distantes e tolas, não me movimentei seguindo as regras do cotidiano labor da dona-de-casa. Simplesmente me calei. Calei e nessa cadeira fiquei, até que me notassem.

(Escuridão. Voz da personagem)

- É preciso delimitar fronteiras, não quero me perder. Dizer pode ser o começo de algo, um sim talvez. “Com quantos nãos se faz um sim?” Mas que sim é esse que hoje almejo?

(luz)

Custou que me notassem. Claro que havia um estranhamento, mas é como se algo faltasse. A engrenagem não era eficaz, algo travava. Em um primeiro momento, a preocupação: O que houve? Está doente? A pressão, como está? E os remédios? Diante da minha afirmação, que era uma negativa; ou, de uma negação, que era uma afirmativa, percebi o incômodo se instaurando. O tempo da delicadeza foi pelo ralo.
- O que está acontecendo?
- Você não tá bem não!
- E agora!? Deprimida?
É sempre assim.
(...)

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