as
roupas se acumulavam sobre mesa e cadeiras. o tempo encontrou materialidade nas
crostas de poeira e gordura. as cortinas cerradas e os móveis em frágil
sustentação eram a comprovação da porção abandono da morada dos zumbis. tudo
ali, naquela casa, revelava a pior dimensão do tempo: decomposição e um nada
germinar. depois que ela se foi, pensou o filho desgarrado, é como se o centro
de sentido e funcionalidade daquela família tivesse perdido o motor, nem sombra
do automatismo que empurrava os dias pra frente, que colaborava no esboçar do
simulacro de família.
as
visita àquele lugar eram cada vez mais angustiantes, principalmente pela
sensação de que as crostas de poeira e gordura impregnavam o corpo e puxavam
para baixo todos que ali chegavam.
o
pai, de longe o mais ousado, também não conseguira romper o eixo centrípeto, já
que abandonara o projeto de saída do barco sem timão. numa cantinela
tchekoviana, ainda afirmava a vontade de exílio, de tomar a inédita condução da vida em outra
embarcação, mas nada de um passo maior, já que seu arrastar estava, por
melindres morais, em sintonia com o inerte posicionar dos filhos.
aquele
castelo em ruínas era de uma falsa fragilidade que amedrontava, pois seu
destino não era se desfazer mas se manter sólido e monumental cada vez que um
pedaço se desmoronava ou uma fenda aparecia. sua inconfessável função era o de
se constituir o templo da memória em que se cultuava dissimuladamente a morte.
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