"Estou contando ao senhor, que carece de um explicado. Pensar
mal é fácil, porque esta vida é embrejada. A gente vive, eu acho,é mesmo para
se desiludir e desmisturar. A senvergonhice reina, tão leve e leve
pertencidamente, que por primeiro não se crê no sincero sem maldade. Está
certo, sei. Mas ponho minha fiança; homem muito homem que fui e homem por
mulheres! - nunca tive inclinação pra aos vícios desencontrados. Repilo o que,
o sem preceito. Então - o senhor me perguntará - o que era aquilo? Ah, lei ladra,
o poder da vida. Direitinho declaro o que, durando todo o tempo, sempre mais,
às vezes menos, comigo se passou. Aquela mandante amizade. Eu não pensava em
adiação nenhuma, de pior propósito. Mas eu gostava dele, dia mais, mais
gostava. Diga o senhor: como um feitiço? Isso. Feito coisa-feita.
Era ele estar perto de mim, e nada me faltava. Era ele fechar a
cara e estar tristonho, e eu perdia meu sossego. Era ele estar por longe,
e eu só nele pensava. E eu mesmo não entendia então o que aquilo era? Sei que
sim. Mas não. E eu mesmo entender não queria. Acho que. Aquela meiguice,
desigual que ele sabia esconder o mais de sempre. E em mim a vontade de chegar
todo próximo, quase uma ânsia de sentir o cheiro do corpo dele, dos braços
(...) - tentação dessa eu espairecia, aí rijo comigo renegava. Muitos momentos.
Conforme, por exemplo, quando eu me lembrava daquelas mãos, do jeito como
se encostavam em meu rosto. Sempre. Do demo. Digo? Com que entendimento eu
entendia, com que olhos era que eu olhava? Eu conto. O senhor vá ouvindo.
Outras artes vieram depois."
(Guimarães Rosa em Grande Sertão
:Veredas)
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